A educação musical da escola regular brasileira, embora atualmente tenha apontado para uma grande melhoria, na maioria dos educandários, é baseada no ensino tradicional de música, de caráter elitista, que mantém uma estruturação prolongada de treino exaustivo de compreensão e execução de elaboração europeizada.
O caráter elitista tem como característica histórica o grau de dificuldade e bloqueio da compreensão e do acesso à musica pela maioria dos alunos, pois a música praticada nas bases culturais do povo brasileiro não figura nas grades curriculares elitistas. Além disso, a música tradicional e sua complicada notação assustam muita gente, pois criam “confusão” entre os símbolos utilizados em sua escrita e os sons perceptivos da música como tal, porque os pontos no papel (partitura) colocam uma grande barreira para os alunos que vivem a música como sons e na maioria das vezes não têm fundamentação para transformá-los em sinais gráficos.
Já as oficinas de música valorizam a integração total do aluno no processo de criação musical, inserindo-o aos elementos próprios de sua herança musical, relacionando-o também ao meio ambiente que o mesmo convive, ressaltando e incluindo o acúmulo musical adquirido pelo mesmo no seu dia-a-dia e dele se valendo, tendo como estrutura a dinâmica de grupo.
A oficina de música, apesar de se valer também de símbolos antigos, não os privilegiam evitando torná-los exclusivos ou únicos, criando símbolos novos dentro da realidade cultural a qual alunos estão inseridos.
Nas oficinas de música alguns recursos ampliados na música contemporânea erudita são incorporados e formatados como atividades descomplicadas e simples com as quais fácil e rapidamente os alunos exteriorizam a musicalidade dentro de seu “universo”, tendo como ponto de partida o registro sonográfico de sua realidade, do aqui e agora.
A escola regular preocupa-se, na maioria das vezes, somente com o cultivo das experiências oficializadas do passado, criando um paradoxo com as tendências da nova era da educação, que hoje é programada para a descoberta e não para a instrução (SHAFFER 1991, pg. 286), gerando, conseqüentemente o desinteresse dos educandos.
"Ocupar-se do tempo passado, além de desestimulante, é psicologicamente muito dolorido para o aluno, pois nas outras matérias da grade curricular eles se ocupam do tempo presente projetando-se para o futuro". E assim, temos assistido à “morte” de nossos artistas, dentro do próprio modelo de educação, que comprovadamente, no quesito educação artística, está há muito falido. As oficinas de música também se utilizam do repertório de experiências musicais fundamentadas na contribuição do passado, mas insere o repertório de outras sociedades, juntamente com a música de sua própria sociedade e embora utilize de repertórios do passado, a “ordem do dia” é cultivar principalmente a música do tempo presente enfatizando a ampliação do repertório, tendo como catalisador a criatividade do aluno, resultando na música criativa enriquecida pela pluralidade cultural de nossa brasilidade; esta é a forma.
Para muitos estudiosos é comprovada a ligação produtiva entre as oficinas de música e a música contemporânea.
A educação musical da escola regular é em sua grande maioria excludente, quando rotula de “certo ou errado”, “bonito ou feio”. Claro! Bonito e certo se estiver dentro dos parâmetros da música tradicional. Errado ou feio quando nos padrões não convencionais, bloqueando de forma traumatizante o processo de educação criativa, e é isso que nunca poderia acontecer! O preconceito, a discriminação e a restrição aos padrões tradicionais (europeizados). Além disso, o papel da educação musical (educação artística) nas escolas não é a formação de artistas, talentos ou virtuosidades baseadas nos rígidos padrões tradicionais. Esta afirmação encontra plena sintonia com o pensamento educativo expressado nos discursos atuais de muitos estudiosos, pesquisadores e pedagogos de nossa época, que apontam para a formação integral do indivíduo extraindo dele particularidades latentes a todo ser humano, respaldado na educação de sua sensibilidade.
As oficinas de música têm uma “didática” de educar desenvolvendo a percepção, inserindo o aluno no diálogo arte-música com amplitude para além da música erudita tradicional, considerando todo som como música ou como som musical. E assim a educação e o desenvolvimento da sensibilidade são os pontos facultativos das oficinas de música.
Assim, as oficinas de música vêm sendo instaladas em muitas instituições como disciplina ou curso que trabalha o conteúdo musical sem utilizar os códigos convencionais da linguagem musical, facilitando a restituição conclusiva do “fazer” musical, contendo em seu bojo a integração de outras linguagens, enfatizando a multisensorialidade abrangendo os parâmetros sonoros do momento, inclusive da música experimental e contemporânea, reconhecendo sua fundamental importância na utilização dos processos não formais de aprendizagem, processos estes que são reflexos da própria natureza humana, promovendo o desenvolvimento da comunicação e exteriorização da auto-estima, socialização inclusiva favorecida pelos modos inativos, icônicos e simbólicos do cotidiano aluno/comunidade.
TÓPICOS DAS OFICINAS DE MÚSICA E ARTE DO MUSEU CAPIXABA DO NEGRO
a) Trabalhar com crianças, adolescentes e jovens, preenchendo o tempo dos mesmos após o horário escolar da educação regular
Justificamos a implementação das oficinas de música/artes no espaço museológico como agente de mudanças social, para alunos da escola regular pelos seguintes motivos:
1a) É na escola regular, que passamos a maior parte de nossa infância e adolescência, e onde a educação deveria ser integral,em todos os aspectos , ou seja, a escola deveria fornecer procedimentos educativos em todas as áreas ,inclusive a artística, o que ainda não acontece efetivamente na maioria dos educandários, principalmente nas escolas públicas, onde os alunos após o período escolar ficam entregues às própria sorte quanto mais não seja, aqueles que pertencem a comunidades de faixa de risco social;
2a) A escola brasileira cumpre a função de transmissão de conhecimentos tidos como universais,(Duarte Júnior, l988,pág.32 e 33) com maior e as vezes até excessiva preocupação na formação de mão de obra produtiva, mantendo os valores da racionalidade (saber objetivo) como valor básico da sociedade; ou seja reproduzindo o que ocorre na vida estressante e intolerante de resultados rápidos enfatizando a razão e rompendo com a emoção, não atentando para o fato que somos dualidades: Emoção e Razão. A arte/música , é de suprema importância para o equilíbrio desta individualidade.
Os pilares da música por exemplo, encontram plena correspondência na estrutura social. Vejamos:
MELODIA: Horizontalidade – Encontra corresapondencia na trajetória de vida dos anos sucessivos na formação da personalidade do indivíduo.
HARMONIA: Verticalidade - encontra correspondência na estrutura familiar e social na qual estamos inseridos e dá sustentabilidade a horizontalidade da vida.
RITMO: combinação dos valores de sons de maior duração com sons de menor duração corresponde a valorização dos aspectos individuais evidenciadas pela função de cada componente na sociedade. Certamente seríamos uma “aldeia global” mais feliz.
3a) Durante o período escolar o aluno é levado a abandonar as emoções quando passa a adiquirir apenas conhecimentos desvinculados da vida cotidiana e aceitadas passivamente onde sua realidade, principalmente a social (o meio em que o mesmo convive), não tem a devida importância, principalmente no quesito recorte racial. Segundo Duarte Junior (1988,p.34) “Somente se aprende quando se parte de experiências vividas e sobre ela se desenvolve....”).
Há uma ilusão do sistema escolar “de que a maioria do que se aprende é o resultado do ensino” (illich p.38), no entanto “se aprende muito mais fora da escola; em atividades não formais”.
b)TRABALHAR O RESGATE DA IDENTIDADE AFRO BRASILEIRA. COM RECORTE RACIAL, EM TODOS OS SEGMENTOS DA SOCIEDADE COM VISTAS À PROMOÇÃO DA IGUALDADE SÓCIO-RACIAL.
Aqui surge uma das principais características das oficinas de arte e música do MUCANE (Museu Capixaba do Negro): contribuir para que a cidadania e direitos humanos deixem de ser apenas discurso de sala de aula, construindo através da educação artística “UM SER SOCIAL” (Durkheim pag.42), um ser que espontaneamente deseja satisfazer as necessidades de identidade que seu meio sócio-cultural preserva - um ser novo.
Na metodologia das oficinas do MUCANE a arte é um fator social pois preparamos através da mesma o aluno para sociedade e isto não é possível sem recorte racial pois a educação é para a sociedade “o meio pela qual ela prepara , no íntimo das crianças as condições essencias da própria existência”( Durkein pag. 42).
Observamos após anos de convivência com os alunos das oficinas do MUCANE que os educandários/educação regular, não designam a ação que os professores exercem sobre a criança e o adolescente o que deveria ser feito primariamente antes de tudo, pois os professores no Brasil são remanescentes de uma formação racista sob orientação de uma classe dominante e opressora, onde a equidade não é prática comum no currículo psico-pedagógico.
Sabemos que a educação exercida pelas gerações adultas influencia de forma decisiva o desenvolvimento dos potenciais físicos, morais e intelectuais da criança, geração esta de professores que reproduzem os padrões exigidos por uma sociedade de estrutura “branca racista" embasada nos moldes da elite escravagista deste país.
Desta forma é que a educação regular processa o rompimento da realidade afrodescendente do povo brasileiro, incentivando uma metódica e discriminada socialização sobre as novas gerações, sem evoluir os conceitos do passado, quanto mais não seja, no estereótipo oferecido pela literatura infantil, carregada de “castelos e brancas de neve”européias, enquanto nossos alunos não são brancos como neve, e nos barracos os príncipes não são escandinavos.
E assim, a finalidade da educação na escola, que é a preparação da criança, exibe lacunas que são transformadas em feridas sociais que, mesmo quando tratatas, expõe suas cicatrizes.
C) PROMOVER A INCLUSÃO SOCIAL, EM DIVERSAS FAIXAS ETÁRIAS, ATRAVÉS DA LINGUAGEM E DO FAZER CULTURAL, COM VISTAS AO EMPRENDEDORISMO E À GERAÇÃO DE RENDA SEM RESTRIÇÃO ÉTNICA.
A metodologia das oficinas de música e arte do MUCANE está vinculada totalmente aos processos sociais, fazendo com que cada aluno resgate sua identidade cultural patenteando os valores e os sentimentos que os identifiquem em sua “veia étnica” e que estruturem a comunidade na qual vivemos, "visão de mundo da cultura a que pertence” (Duarte Júnior,1988 pag.59-60).