quinta-feira, 27 de setembro de 2012

ABERTURA DA 6ª PRIMAVERA DOS MUSEUS NO MUSEU CAPIXABA DO NEGRO - MUCANE

DISCURSO DE ABERTURA PRONUNCIADO PELO COORDENADOR DA AMUCANE NO DIA 24 DE SETEMBRO DE 2012

Salve tudo e salve todos!

É uma honra indescritível Estarmos aqui, mais uma vez, cumprindo o dever cívico de promover a evolução e a integração social entre os povos. E isto me faz refletir sobre a importância das transformações museais a partir da década de 1950, passando pela iluminada dedicação da Drª Maria Verônica da Paz, ao pensar o Museu Capixaba do Negro, culminando com o processo e as contribuições da comunidade do MUCANE para a evolução sociocultural de nossa sociedade até os dias de hoje.

Sabemos que as transformações culturais e políticas das décadas de 1950 e 1960 impulsionaram mudanças na área da museologia mundial e vários encontros foram promovidos pela Unesco, como a Reunião do Rio de Janeiro, no ano de 1958, e a Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972. 

Nesta ocasião foi proposto, uma mutação nos museus, considerando que a resolução dos problemas sociais deve levar em conta a participação de toda a sociedade.

 O museu passou a ser uma instituição a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, desempenhando um papel na educação dos povos para a compreensão dos aspectos técnicos, econômicos e políticos dos problemas sociais, configurando-se como um instrumento dinâmico de mudança social.

Esta nova perspectiva, foi o êmbolo do surgimento de novas experiências museológicas, impulsionando um novo debate realizado no ano de 1984, em Quebec, com a realização de Ateliê Internacional de Ecomuseus – Nova Museologia

Anos antes, em 1979, Pierre Mayrand expressou a necessidade de que o museu fosse, ao mesmo tempo, um centro de interpretação e fornecedor de serviços culturais, modelo que só seria possível se a comunidade se apropriasse e tivesse o sentimento de pertencimento à sua identidade e seu patrimônio, desmistificando assim o antigo conceito de museu, definindo de forma coletiva o valor de sua cultura e história. Aqui se via a museologia comunitária como a principal, senão a única forma de nova museologia. 

O acervo material e imaterial já não poderia mais ser transformado em meros objetos passíveis de constituir coleções. Além disso, investigação e interpretação só seriam importantes se voltadas para questões de ordem social. Agora o objetivo da museologia deveria ser o desenvolvimento comunitário. 

Assim, o público passa de apreciador a colaborador e criador de um trabalho coletivo, onde a exposição deixa de ser objeto de contemplação. Se consolidava, então, a tipologia “Ecomuseu”, provando ser a mais viável aos museus de temática afro, como o Museu Capixaba do Negro.

Neste contexto, as atividades do Museu Capixaba do Negro configuram a instituição como um museu comunitário da diáspora africana, tendo em vista que a comunidade do Museu, população afro descendente do Estado do Espírito Santo, é a responsável pela instituição e seu território é o conjunto das tradições culturais e a história do povo negro capixaba, incluindo a própria luta desta comunidade em prol do Museu Capixaba do Negro, conforme registro em programas de emissoras de TV e outros, o que é de conhecimento de todos.

No MUCANE, as atividades emanam de todos os segmentos da comunidade, que se vê refletida sem precisar de intermediários.

 Assim, enquanto no museu de moldes eurocêntricos tradicional a preocupação é preservar bens que fazem sentido para um seleto grupo de "entendidos", a preocupação do Museu Capixaba do Negro sempre foi com o desenvolvimento sustentável focado no presente e no futuro da comunidade que o torna possível, foi assim que construímos o MUCANE ao longo dos 19 anos, não deixando de evidenciar que já na década de 80 e 90, bem antes de ser implementada a nova política Nacional de Museus(PNM). Este “embrião” já vigorava nos pilares museológicos do projeto original do MUCANE construído pela Dra. Maria Verônica da paz, uma mulher a frente de seu tempo.


Finalmente, ao longo de nossa história, através do fazer museal de 3 gerações, conseguimos, de forma natural, construir o MUCANE e consolidá-lo como um instrumento de desenvolvimento comunitário. Esta vocação já era conhecida da Museologia Mundial muito antes do MUCANE ser criado. 

Na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972, este formato que imprimimos ao MUCANE fora patenteado de forma “sui generis” em consonância com o surgimento do conceito de museu integral, o museu desempenhando um papel na educação da sociedade para a compreensão dos aspectos técnicos, sociais, econômicos e políticos, a fim de que a mesma seja capaz de solucionar os problemas do meio rural e urbano. 

Este modelo se consolidou de forma natural no MUCANE porque nenhum de nós tínhamos ainda conhecimento do conteúdo dos avanços da Mesa Redonda de Santiago e, por muitas vezes, fomos questionados e desacreditados, como agora, através da última agressão do Poder Público municipal aqui de Vitória-ES, que pretendia formatar um “novo” antiquado museu em suas desqualificadas formas escravagistas de governar, na realidade o furor dos representantes do município contra a comunidade mantenedora do MUCANE , desde que a justiça concedeu liminar para que as atividades do Museu Capixaba do negro fossem mantidas, sobrepôs a razoabilidade, o que já era de se esperar.(infelizmente)

Infelizmente porque, a única política que os atuais representantes da Prefeitura Municipal de Vitória têm feito neste sentido é a de se apropriar de todos os bens produzidos pela comunidade negra, como o Museu do Negro, o que caracteriza, no mínimo, roubo de propriedade intelectual.

A tipologia de função social à qual o MUCANE vem há 19 anos praticando junto com a comunidade é a mais adequada aos museus que tratam da cultura negra, e hoje faz parte da Política Nacional de Museus, onde muitos museus estão se esforçando para chegar, o que para nós é uma honra, e aqui estamos, abrindo juntamente com vocês a 6ª Primavera dos Museus, uns dos eventos mais dignificantes da museologia brasileira.

Mas devemos também lembrar que os maiores museus do negro do mundo são comunitários. Como exemplo, temos o Museu Nacional do Níger, os museus do Mali, República dos Camarões, Panamá e outros.

Nos Estados Unidos, os negros criaram uma das maiores referências em ecomuseus no mundo: o Anacostia Neighborhood Museum, em Washington que tem vínculo direto com o Museum Capixaba do Negro. No Brasil temos, além do MUCANE, o Museu do Negro 13 de Maio, no Rio Grande do Sul e o Museu da Maré, no Rio de Janeiro, entre outros. Por esta razão, são constantes os cursos e oficinas ministrados pelo IBRAM para capacitar os Gestores públicos dentro das diretrizes da Nova Política Nacional de Museus.

O Anacostia Neighborhood Museum, por exemplo, não se organiza em torno de uma coleção. Só faz exposições de temas que sejam do interesse real da comunidade negra, sejam eles a diáspora africana ou simplesmente a culinária local. Para um Museu como o MUCANE, é essencial que seus bens culturais sejam vivos e estejam ao alcance de todos. Caso contrário, se são colocados atrás de uma redoma, acabam por "morrer" e perdem o sentido de ser. Isto se torna ainda mais evidente em se tratando da cultura de matriz africana.

A comunidade do Museu Capixaba do Negro sempre cumpriu seu papel social desde a fundação do Museu. Por outro lado, a Prefeitura Municipal de Vitória, agora que tem a concessão do prédio, insiste em ignorar esta realidade, razão pela qual seus representantes ainda tratam com tamanho descaso esta comunidade, ferindo diretamente, através das mais diferentes formas de humilhações, a dignidade de todos nós que aqui estamos,praticando o dever cívico de manter as portas do MUCANE abertas ao público, esta é a razão impar de hoje estarmos organizados em Associação dos Amigos do Museu Capixaba do Negro.

A comunidade negra, mesmo tendo poucos recursos financeiros à sua disposição, movida pela esperança de dias melhores, manteve o Museu do Negro com muito orgulho de ser o que é. Mas é vergonhoso o tratamento de exclusão dos quais a mesma tem sido vitimizada pelos representantes da Prefeitura. Lamentamos pelo atraso e pelas marcas desse tratamento, sinônimo de desumanidade, que os atuais Gestores do Município de Vitória estão registrando na história do Estado do Espírito Santo.

o Um dos primeiros atos da administração pública Municipal quando teve concessão para a reforma de nosso prédio foi extinguir o funcionamento do MUCANE expulsando a comunidade que sempre o manteve vivo, diversas oficinas e cursos de inclusão sociocultural, oferecidos por professores e mestres do saber da cultura afro brasileira.

Ponto de referência para centenas de pessoas que se beneficiavam dos cursos ali oferecidos, dentre eles crianças, jovens e adolescentes afro descendentes,dentre outros cujo estudo de sua herança histórica lhes traria a autoestima necessária para se tornarem cidadãos bem sucedidos e que foram sumariamente discriminados por esta tirana ação do chefe do Executivo da Prefeitura de Vitória-ES, Sr. João Carlos Cozer. 

Além disso, desde o ano de 2010 as ações da municipalidade prejudicaram e impediram as pesquisas sobre a história e a cultura do povo negro, tanto por turistas como por pesquisadores universitários e, principalmente, pesquisas dos educadores sobre a Lei Federal Nº 10.639/03 que é uma das mais importantes atitudes do Governo Brasileiro no sentido de combater o racismo e promover a igualdade racial, onde o MUCANE tem sido o maior ponto de referência no Estado, haja vista o número de alunos e professores participantes das atividades educativas e culturais ao longo dos nossos 19 anos.
OFICINAS DE ARTES AGREDIDAS E EXCLUIDAS PELA PREFEITURA

Então, após duas décadas de batalha, enfrentando diversas dificuldades e discriminações, sem nenhuma remuneração, trabalhando enquanto benemérita da humanidade, esperava a população do Museu se ver reconhecida e protegida dentro de seu patrimônio e que a municipalidade, agora que tem a concessão do imóvel, pelo menos administrasse de forma a guarnecer por meios democráticos os avanços das manifestações culturais, sociais e intelectuais que ali já encontraram funcionando a todo vapor. 

No entanto, apesar do discurso moderno de inclusão sócio racial prometido pelo chefe do Executivo da Prefeitura de Vitória, as práticas se revelaram outras, quais foram atirar no "olho da rua", toda a comunidade mantenedora e beneficiária da história, da memória e do fazer museal do Museu Capixaba do Negro que necessitou de austera intervenção judicial a favor de nossos direitos constitucionais

Fica assim comprovado que, nesta batalha, para que a comunidade do Museu tenha seus direitos respeitados, o chicote e o ferro à brasa, instrumentos largamente usados para coagir os negros durante a escravidão, aqui nesta atual administração municipal apenas mudaram de nome e de forma.

Caros amigos, nos debates e embates para manter o Museu Capixaba do Negro em sua tipologia até os dias de hoje sempre estiveram presentes os ideais da liberdade, as aspirações de Zumbi. Foram eles que impulsionaram as vidas de abolicionistas como Castro Alves,  Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças,Rui Barbosa, Antônio Bento,Bento Luís Gama e de tantos outras pessoas, que se levantaram contra o pensamento escravocrata e racista na construção de um espaço digno para as manifestações culturais e resgate da identidade do povo de origem africana. Estamos no momento de desconstruir do imaginário a erva daninha do modelo neo colonial que, infelizmente, aqui no Município de Vitoria ultrapassou os séculos e persiste mais uma vez através deste ato irresponsável do Prefeito da Capital para com o Museu Capixaba do Negro. Os abolicionistas queriam mostrar à sociedade da época que os negros eram simplesmente seres humanos e a cor da pele era a única diferença. Queriam mudar a forma de pensar e agir das pessoas, queriam justiça.

Nós da AAMUCANE ansiamos que a função social do Museu Capixaba do Negro, conquistada e mantida após tantos anos de lutas pela comunidade e a serviço da mesma seja o símbolo da promoção, da diversidade cultural, da promoção e igualdade racial e consequentemente do fortalecimento da concórdia entre os povos e também lutamos por justiça.

Dou assim, a abertura as atividades da 6ª primavera dos museus, coordenadas e patenteadas pela comunidade capixaba, aqui mesmo, neste espaço provisório pois,o nosso prédio hoje abriga a nossa exclusão através da imposição e exposição desconectada da comunidade , comunidade esta que aqui está reunida na expressão legítima da função social característica ao MUSEU CAPIXABA DO NEGRO, pois em nossa sociedade contemporânea um museu só é possível se for um museu vivo, a serviço da sociedade e integrado a essa mesma sociedade que o mantém e o constrói.

Salve!

Washington Anjos dos Santos



Confira a programação da 6ª Primavera dos Museus no site http://www.museus.gov.br/